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Foto: Tribuna de Restinga

Restinga da sanga

Texto: Elaine dos Santos

Naquele 25 de março de 1959, quando o governador Leonel Brizola assinava a Lei Estadual que concedia emancipação política para Restinga Seca (assim mesmo, sem acento, porque os acentos diferenciais “caíram” na reforma ortográfica de 1971), transformava em município o antigo povoado da Caixa d’água, que ali surgira para “dar de beber” às antigas Maria Fumaças.

A sanga da Restinga fez surgir Restinga Seca. Dos aborígenes, provavelmente, tapes, que cruzavam a planície, passando pelos lusos que ocuparam as sesmarias e trouxeram, com eles, “os homens negros como a noite”, chegando “ao sorriso angelical de espigas loiras” (imigrantes que, por ali, se aquerenciaram), Restinga, a Tinga, consolidou-se.

Dos homens enegrecidos pela cor que o carvão lhes conferia, manuseando máquinas; dos homens que à força bruta coqueavam sacos; dos meninos que vendiam balas, pastéis, broas aos viajantes; dos carregadores, como o mítico Carapau; dos carroceiros e, depois, dos taxistas; a estação ferroviária foi sendo povoada.

O Hotel dos Viajantes, o Engenho dos Giuliani, a Ferraria dos Roepke, os Mostardeiros, a praça, a Igreja Matriz, a cidade foi tomando forma, as ruas foram rasgando o campo – as tabuinhas que uniam ruas e calçadas eram marca que ali não havia seca, mas muitas vertentes que precisavam ser contornadas, mais tarde, a canalização fez a sua parte. Aliás, a tafona dos Mostardeiros é um dos empreendimentos que talvez melhor tenham se valido das águas que, para além da sanga, cortam a cidade. Joãos, Marias, Josés, Antônios, Pedros, Anas, Angelinas, Manoelas, todos foram crianças, todos cresceram às margens da sanga, às margens da ferrovia.

Pescar lambari, banhos nos finais da tarde, exploração da “imensurável selva” que circundava a sanga da Restinga, caçar passarinhos, comer pitangas. Aos domingos, jovens, eles foram passear na gare. Namoraram, casaram, trabalharam, tiveram filhos. Restinga cresceu.

A Tinga da gente, nesse ano da (des) graça de 2021, faz 62 anos, bendigamos aqueles que a construíram, que com suor e trabalho erigiram um povoado, um município, um lugar para se viver às margens da sanga, um lugar para se amar, o lugar em que o nosso cordão umbilical voltou a terra.

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