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Divisores de águas ou sobre esperança

 

            Até 1974, às crianças pobres de Restinga eram ofertadas poucas alternativas após a conclusão do quarto ano primário: ou elas encerravam os estudos ou elas postulavam um bolsa de estudos no colégio das freiras ou a família fazia um imensurável esforço e custeava a continuidade desses estudos na escola particular.

            Em 1975, uma turma de alunos do Grupo Escolar Francisco Manoel, pela primeira vez, teve a oportunidade de cursar a 5ª série em uma escola estadual em Restinga Seca e isso aconteceu porque algumas pessoas na comunidade ousaram desafiar-se e ofertar essa oportunidade para aqueles pequenos cidadãos. Eu sei apenas que a professora Maria Julia Tronco estava entre essas pessoas, desconheço outros nomes, eu tinha apenas 10 anos naquela ocasião e integrava aquela turma que inaugurou um novo caminho de esperança. Em 1976, estudamos no Caseb, em salas de aula com piso de cimento, com uma poeira insuportável para a rinite que me assolava ao final das aulas, porque era-nos determinado limpar a sala. Como todos sabem, 1976 marcou o ano de fechamento do colégio das freiras. Já narrei muitas vezes a apreensão que se colocou dentro de casa em relação ao meu futuro, os meus pais, e, em particular, a minha mãe, angustiaram-se quando entrou em jogo a continuidade dos meus estudos, eles tinham plena convicção que o único legado que poderiam me conferir era o conhecimento, além do respeito, da honra, do “nome limpo”.

            Sobreveio 1977, adentramos a 7ª série na Escola Estadual de 1º Grau Francisco Manoel abarcando todos os alunos de 1ª a 8ª série da sede e muitos oriundos do interior e, ao mesmo tempo, funcionando no mesmo prédio, entrava em atividade a Escola Estadual de 2º Grau de Restinga Seca. Essas lembranças afloraram na Igreja Evangélica, dias atrás, em virtude do passamento do sr. Auro Donicht. Quando o pastor abriu espaço para que as pessoas se manifestassem sobre ele, sobre o seu papel comunitário, exaltaram-se as suas virtudes, falaram a seu respeito do ponto de vista institucional, mas eu tinha que abordar, em primeiro lugar, as lembranças que me vinham do pai da Ducha (a Simone, sua filha e minha colega) e também agradecer, o que já havia feito em vida para ele, para o seu Erny Rohde, para o “tio” Talito – e já fiz para o seu Ary Faber, para o “tio” Ercilio, o seu Mario, a dona Leonina, a dona Vera, a oportunidade que concederam a nós, as crianças pobres de Restinga, para que tivéssemos um futuro melhor. Se aqueles homens e aquelas mulheres não tivessem acreditado que era possível, apesar das estradas ruins, dos péssimos meios de comunicação, trazer educação pública para uma cidade perdida no meio do nada, não haveria ensino, não haveria a oportunidade que foi concedida a tantos meninos e meninas oriundos das vilas, das casas mais simples, do interior tornarem-se médicos, advogados, mecânicos, motoristas, professores. Por vezes, não nos damos conta que somos todos frutos de espaços pedagógicos predominantemente públicos em que se cruzaram vidas tão diferentes e que foi graças a essas pessoas, hoje, quase invisíveis na comunidade que alçamos voos. Que Deus me permita ainda por muito tempo estar presente nos bons e nos maus momentos para dizer obrigada a quem modificou o meu futuro, o futuro dos meus ex-alunos e de tantos outros restinguenses, aliás, foi em nome de todos que agradeci naquela tarde na igreja.

Prof. Dra. Elaine dos Santos

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