Danrlei 2.jpg
Danrlei 1.jpg

Personagens mal acabados de si mesmos

 

           Eu trabalho, tu trabalhas! Eu faço o melhor, tu fazes o melhor! O que queremos? Um país melhor! O que estamos fazendo? Reclamando? É pouco!

            Eu não posso posicionar-me sobre o Brasil anterior à Copa de 1974 na Alemanha, pouco sei sobre futebol antes daquele ano. Lembro que tínhamos uma seleção que não conseguia ter a confiança dos torcedores, dos críticos, mas tinha Zagalo como treinador e algumas figuras conhecidas, ainda oriundas do México/1970 e que levavam a nossa esperança. Ficamos em quarto lugar, perdemos o terceiro lugar para a Polônia e um tal Lato, o seu craque. Na Copa da Argentina, a equipe embarcou contestada, particularmente pelos analistas gaúchos, era tida como muito leve, sob o comando de Claudio Coutinho. Leve ou não, o Peru levou seis gols e “ensacolou” o sonho do tetra campeonato (torci pela Argentina, Tarantini, o lateral esquerdo deles, era muito lindo!). Espanha/1982, “voa, Canarinho, voa”, cheia de astros, alguns muito leves: Cerezzo, Zico, Sócrates, repleta de “inhos”: Toninho (Cerezzo), Serginho (Chulapa), Luizinho, Juninho, a melhor seleção do mundo de todos os tempos perdeu! E foi assim em 1986, o fracasso retumbante de 1990 – em que se dizia que o Brasil havia desaprendido a jogar futebol – até que sobreveio 1994: Bebeto, Zinho, Romário, lá estava um plantel de jogadores franzinos, leves, maleáveis, daqueles que apanham o tempo inteiro, “chamam a marcação”, são “caçados” por todo o campo e, às vezes, somem na partida para que os outros, os operários, possam brilhar. Contestados, eles fazem a alegria da massa. Em geral, eles são moleques, cresceram sem uma estrutura familiar consolidada, tiveram pouca educação formal, são mulatos, enriqueceram por causa do futebol, esbanjam dinheiro em um país miserável e isso, claro, lembra-nos o guri, o irmão do Assis, para ficar num exemplo dos pampas, Ronaldinho Gaúcho.

            Por outro lado, ao volver os olhos para o passado e chegar ao limite máximo que os registros do futebol me permitem, isto é, à história do gênio de pernas tortas da Copa de 58, Garrincha, eu não posso perder de vista que todos os meninos pobres que encantaram estádios do mundo inteiro são homens, produzem testosterona em seus corpos, submetidos à pressão do campo, do jogo, da decisão e de um espaço, de uma situação que me julgo incapaz de avaliar – uma Copa do Mundo, eles explodem em desejo, em tesão, em sexo como “animais” que são (ou algum homem que me lê, neste momento, já fez algum juramento de castidade?), inaceitável postular que tensionados, pressionados, eles não expressem tudo isso em gestos e em palavras vulgares, em expressões que não cabem à mesa de uma família recatada (como se famílias recatadas no Brasil abdicassem de pronunciar palavras chulas!). Parece-me que estamos julgando demais e agindo de menos naquilo que, como cidadãos, nos compete!

            Os antigos gregos para encenarem as tragédias, como não aceitassem mulheres no palco, usavam pele de bode para encarnar “personas” (daí, a palavra personagem), figuras fictícias que não existem na realidade. Parece-me que algumas pessoas reais, hoje em dia, ao usarem redes sociais, querem valer-se de “peles de bode” e criarem “personas” ou “avatares” para serem o que não são, para venderem uma imagem daquilo que não são, esquecem, porém, que, no mundo off line, são conhecidas pelo que são: relapsos, irresponsáveis, infiéis, falsos, sonegadores, corruptos, o que reduplica o vergonhoso gesto de criticar a seleção brasileira e alguns atletas, afinal, essas pessoas estão, literalmente, pregando moral de cueca! Um pouco mais de reflexão nas postagens (constrange-me ler certas postagens feitas por professores), um pouco mais de empatia e humanidade, requerer que pessoas, cheias de defeitos como todos nós, sejam perfeitas é, no mínimo, desumano.

Professora Elaine dos Santos

Doutora em Letras

 

Nota 1: As minhas opiniões expressas nesse meio de comunicação são única e exclusivamente de minha responsabilidade, sem qualquer comprometimento da linha editorial do jornal.

Nota 2: As duas imagens que ilustram o texto são quadros produzidos pelo artista plástico restinguense Danrlei da Rosa. As telas podem ser adquiridas na APAE de Restinga Seca.

Comentários