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Muito além de mim

Quando nasce um filho, nasce uma mãe. Os familiares, os amigos e a sociedade voltam os seus olhos para o recém-nascido, para a vida que desabrocha. Mas, ao lado dele, há uma mulher que se descobre em um novo papel e, mesmo que ela tenha sido muito bem orientada, há novidades que ela desconhecia. Os seios enrijecidos pelo leite que se avoluma, o bico dos seios que, muitas vezes, não “aceita” a criança, não verte leite; o corpo dolorido pelo parto – e eu serei sempre frontalmente contra o parto com cesariana porque a mãe subtrai ao filho a experiência de “desbravar a vida”, sonega-lhe a oportunidade de, desde o ventre, descobrir a magnífica labuta do viver. As noites mal dormidas, os infelizes palpites das comadres, as “cólicas” do bebê, o choro sem causa aparente.

A maternidade é um exercício deslumbrante e ímpar. No entanto, como Brás Cubas, o personagem de Machado de Assis, sempre me pareceu demasiadamente comprometedor trazer ao mundo um ser humano totalmente dependente e ensinar-lhe a caminhar pela vida. Nunca me julguei preparada. Vi e vejo a neurose que muitas mães outorgam aos seus pequenos. Como professora, sempre me senti dilacerada diante dos “estragos” que algumas mães [e pais] protagonizaram na vida dos seus filhos.

Por outro lado, não sou muito “simpática” à dor (embora fosse cliente assídua da famigerada “Benzetacil” para as crises de garganta, sabia que ela não se comparava à dor do parto). Ah, o parto! Como conceber o parto de um filho meu sem a presença da minha mãe? Impressiona-me ver como algumas mulheres vão praticamente sozinhas para hospitais, até mesmo sem os seus companheiros, e parem! Sem a mãe para dizer que está tudo bem! Sem a mãe para dizer que vai passar! Sem a mãe para pegar o bebê, trocar o bebê, acalentar o bebê! A minha mãe morreu quando eu tinha 24 anos e eu era uma “boba alegre”!

Em 1994, eu tive uma gravíssima crise hipertensiva, recorri ao “tio” Talito, à noite, e, segundo ele, quando me disse que eu precisaria ficar hospitalizada, eu teria respondido que não iria para o hospital sem a minha mãe. Eu tinha 30 anos, minha mãe havia falecido seis anos antes. Fiquei “internada” na casa dele durante quatro dias. Foram horas, dias, meses, anos no consultório, conversando com o “tio” Talito e problematizando a possibilidade (ou não!) de ter filhos. Em 1999, no meu primeiro ano de mestrado, no dia do meu aniversário, à noite, ele me telefonou para parabenizar-me e sentenciar: “Teu prazo de validade acabou”. Como meu médico desde a minha adolescência, ele conhecia as minhas condições clínicas e sabia o que estava dizendo.

Gravidez, maternidade, ausência da minha mãe, saudade sempre foram temas recorrentes com o meu psicanalista desde 2001. Assuntos plenamente resolvidos por mim! Ocorre que, quando dizem que sou mal amada, mal comida, agridem-me com a comparação com a minha cadela, afirmando que ela pariu e eu não, esquecem que há outras pessoas que também não pariram, mulheres que, por questões físicas, psicológicas, não conseguem engravidar; mulheres que engravidam e o corpo não “segura” a gravidez, esquecem que essas mulheres, sim, sofrem com esse tipo de agressão torpe, vil, mesquinha, vulgar. Ninguém tem o direito de imiscuir-se na vida alheia, efetuar julgamentos – existem escolhas, medos, dúvidas, limitações físicas que, às vezes, não são anunciadas em redes sociais, emissoras de rádio, noticiários de jornal e que, apesar disso, precisam ser respeitadas.

Tem gente que fere, ofende, magoa e “senta em cima do rabo”, porque não consegue conviver com as próprias limitações, com os próprios erros, então precisa esconder o “seu rabo” e apontar na direção dos outros, como se fossem os arautos da verdade, da justiça, jamais se desnudam, jamais colocam a cara a tapa, porque têm muito para esconder! Respeito, empatia, vergonha na cara, andam em falta no mercado, andam em falta por aqui.

Professora Elaine dos Santos

Doutora em Letras

A imagem que ilustra este texto é uma tela produzida pelo artista plástico restinguense Danrlei da Rosa, a qual pode ser adquirida na APAE local

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