Sobre conhecimento e humildade II

Cerca de 30 anos atrás, uma mulher que, ainda hoje, reside em Restinga, declarou sentir ódio de mim: “Todas as boas vagas de trabalho são conquistadas pela Elaine”, quando me contaram sobre isso, eu respondi que, talvez, eu fizesse por merecer as oportunidades que me eram ofertadas.

Em meio ao mestrado, eu fui convidada pela coordenação do Departamento de Letras Vernáculas, encarregada pela indicação dos professores que compunham as bancas de avaliação para o concurso vestibular da UFSM. Na verdade, praticamente, toda a minha vida profissional foi balizada pelo DLV/UFSM. Quando a URCAMP/Caçapava apresentou a demanda por um professor de Letras que se apresentasse disposto a revisar Literatura brasileira e portuguesa com os alunos que fariam o antigo Provão (atual Enade), eu fui indicada. Ia para Caçapava por Santa Maria, saía de Restinga às 9h30min em direção a Santa Maria, o ônibus para Rio Grande passava às 12h (ou 12h30min), chegava em Caçapava ia direto para a Urcamp (duas quadras de distância da rodoviária), dava aula até 16h55min, “corria” para a rodoviária, entrava no ônibus, regressava para São Sepé, dormia na casa de parentes, a viagem dominical era feita em ônibus da empresa Argenta pelo Fundo do Formigueiro e, antes do meio-dia, estava em casa a tempo para almoçar com o pai. Quando a ULBRA/Cachoeira buscava um professor e coordenador para o Curso de Letras, o meu nome foi avalizado pelo DLV/UFSM.

Como banca de avaliação de redações, tornei-me cargo de confiança da COPERVES/UFSM e permaneci na função até 2013, quando o vestibular foi extinto. O que isso implica? Cursos regulares de formação. Uma ou duas vezes por ano, professores mestres ou doutores em Literatura ou Linguística, professores de ensino médio e/ou ensino superior eram “convidados” a participar de seminários, oficinas para aprimoramento e discussão sobre produção e avaliação de textos dissertativos – e, depois, carta aberta ou artigo de opinião. Submetidos às ponderações dos elaboradores dos temas das redações, sim, havia uma banca que pensava o tema da redação, definia-o, elaborava o texto-base para a prova e “esperava” um texto mais ou menos padrão, um texto referência dos candidatos. Por isso, antes da avaliação das redações propriamente dita, havia ainda uma reunião de discussão sobre o que se esperar dos textos, como seriam construídos os argumentos, a existência de uma tese (uma ideia a ser defendida), a coerência entre tese e a proposta apresentada pela banca; o que se esperar em termos de progressão temática e adequação estrutural do texto; a propriedade dos recursos coesivos e a clareza do texto. Éramos todos, mestres e doutores, humildemente, aprendendo uns com os outros. No meu caso, era a ex-aluna da maioria deles, mas também a ex-colega de muitos deles. Com o tempo, contudo, por ser uma das avaliadoras mais rigorosas, eu passei a ser também (eu havia formado banca, durante muitos anos com a professora Nina Barros e quem a conhece sabe do que estou tratando em todos os aspectos) aquela que tinha a incumbência de receber os novatos, ensiná-los, partilhar conhecimentos, conduzi-los, ter a humildade de dizer-lhes é assim, não é assim, quem sabe experimenta aqui, quem sabe experimenta por ali...

Eu não precisaria explicar, explanar, contar essas coisas... Elas haviam ficado circunscritas às paredes da COPERVES/UFSM e aos amigos, ex-colegas, ex-professores com quem interagi lá, mas, de tanto ser ofendida (acho graça quando me chamam de “sábia”, confundindo conhecimento com sabedoria!), às vezes é preciso contar para as pessoas que a vida não se esgota na ponte sobre o Mirim e que, assim como eu, tem muita gente indo além, respirando além, vivendo além! Corações e mentes que não podem mais serem castrados, retaliados, humilhados, cerceados pelo pseudo-poder que algumas pessoas ainda julgam ter. Alguns pedais estão minados de cupim, ainda que as estátuas ocas sobre eles não tenham percebido. Eu sigo defendendo os sonhos dos meus ex-alunos...pavimentando - com esperança e luta -os caminhos daqueles que me sucedem!

Professora Elaine dos Santos

Doutora em Letras