Personalidades restinguenses
No final de 2017, eu desafiei alguns amigos, daqueles que se faz na vida pessoal e profissional, que se entrelaçam histórias de vida, sonhos. Pessoas nascidas na Tinga e que, em seus respectivos campos de atuação alcançaram sucesso – como quer que você o conceba! Pedi-lhes que contassem um pouco de si, porque eu sigo perseguindo o meu ideal que consiste em mostrar para a nossa gente que há, entre nós, pessoas felizes, vencedoras, senhoras de si e do seu destino. Nesta edição, a menina com quem convivi na Escola Erico Verissimo, ela era aluna, eu atuava como secretária de escola; cruzamo-nos na UFSM, ambas mestrandas; posteriormente, atuando como bancas de avaliação de redações do concurso vestibular, convidadas pela Coperves/UFSM, nos últimos anos, ela já era professora concursada, eu era apenas uma professora aposentada prematuramente.
Partilhamos, hoje, um pouco das histórias da vida da Professora Doutora Cristiane Fuzer, coordenadora do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Santa Maria.
Professora Doutora Elaine dos Santos
Infância:
Lembro com saudade e alegria da minha infância na comunidade de São Miguel velho, em Restinga Sêca, onde morava com meus pais Hélio Fuzer e Lurdes Fuzer até meus 19 anos. Tive a sorte de conviver com avós, tios, primos por parte de pai e de mãe e meus quatro irmãos (Célio, Ernani, Marinez e Edson), o que me proporcionou o aprendizado de muitos valores que trago comigo sempre.
Adorava os jogos de “tombla” (bingo) com minha avó paterna, Adelaide Fuzer, nas tardes chuvosas, acompanhadas por pipoca com melado que minha mãe fazia. O prêmio eram sempre balas “Mocinho” e “azedinhas” compradas pela avó no mercadinho do saudoso Odacir Cantarelli. Em tardes ensolaradas, ouvia as histórias contadas pela minha avó ou lia para ela os gibis da turma da Mônica, Pato Donald, Mickey Mouse, enquanto tomava “mate doce” à sombra dos cinamomos em sua cadeira de balanço.
Adorava os pães de milho que só minha avó materna, Aurora Dutra da Silva, sabia fazer no forno à lenha artesanal, servidos com o cafezinho passado no bule para os netos e filhos que frequentavam sua casa todos os domingos. Da imensa roda de conversa dos adultos tomando chimarrão sob a sombra das árvores, as crianças só se aproximavam vez ou outra para pedir água ou bolacha. O tempo era curto para tantas brincadeiras com a turma de primos da mesma faixa etária –pega-pega, caçador, bolita, pula corda, cobra cega, telefone sem fio, passa-anel...
Adorava passar as férias na casa das tias Jaci Gais, Zita Fuzer, Leda Fuzer... Adorava brincar de casinha nos arvoredos com as primas Simone Brondani, Valéria Gais, Viviane Borchardt... Nos dias de chuva, brincávamos de escolinha (eu sempre queria ser a professora, claro).
Adorava ouvir a programação musical da Integração no radinho a pilha da minha irmã enquanto fazíamos as tarefas domésticas. Adorava pescar lambari no açude com meus irmãos. Adorava jogar vôlei com os vizinhos da mesma idade. Adorava minha boneca de plástico sem um braço que, com o coração partido, doei para uma criança mais pobre que passou na minha casa pedindo um brinquedo. Adorava tudo que uma criança do interior pode ter e viver sob os cuidados de uma comunidade pequena.
Experiências escolares:
Cursei o ensino fundamental na escola de que tenho imenso orgulho: E.M.E.F. Dezidério Fuzer, que leva esse nome em homenagem ao meu avô paterno, graças à doação do terreno pela minha avó Adelaide. O ensino médio cursei na E.E.Érico Verissimo, em Restinga Seca.
Lembro com carinho de colegas queridos dessa época – como Jeferson Grigoletto, de quem fui colega de turma durante todo o ensino fundamental e médio e sempre disputávamos as melhores notas; as gêmeas Ivanita e Anelita Bordignon (eu estava entre os poucos da escola que sabiam distinguir uma da outra), Janaina Possebon, Elisane Milbradt, Isane Kasburg, Alisson Procknow... e tantos outros adoráveis.
Fui alfabetizada pela Profa. Almerita de Franceschi, que, com rigor e dedicação, revelou-me o mundo letrado. Na 1ª série, foi ela que percebeu minha dificuldade de visão e, desde então, os óculos e as lentes de contato passaram a ser meus fiéis companheiros, mesmo depois de um transplante de córnea aos 17 anos. Apesar disso, e mediante a preocupação da minha mãe, sempre gostei de ler e estudar. Às vésperas de provas estudava a tarde toda e acordava de madrugada para revisar os conteúdos. O despertador era minha mãe, que às vezes despertava cedo demais, outras vezes quase em cima da hora.
Lembro-me com carinho da Profa. Cleci Cantareli nos anos iniciais e também da Profa. Neida Mainardi, que, apesar de não ter me dado aulas, foi-me marcante em muitas ocasiões como diretora da escola durante o ensino fundamental.
Em ambas as escolas, tive professores maravilhosos, que me despertaram o amor pelo conhecimento e a vontade de compartilhar com outros o que aprendia. As letras sempre me foram mais atraentes que os números, razão pela qual tinha de estudar em dobro para matemática, em especial para as provas da Profa. Sueli Bolzan e da Profa. Normélia Ceolin, excelentes na arte de ensinar a calcular.
As aulas de português, como as do Prof. Claudio Farinha, da Profa. Janete Ziani e da Profa. Josete,eram-me especiais. Lembro-me do dia em que, na 6ª série, um professor disse que havia atribuído nota menor para um texto que eu havia produzido em casa, porque tinha dúvida, pela qualidade do texto, que fosse eu a autora. Imediatamente sugeri que os próximos textos fossem produzidos em aula e, assim, pude convencer o atento professor da autoria das minhas escritas.
E não há como esquecer das instigantes aulas de História com o Prof. Dartagnan, a Profa. Laura e a Profa. Tania; das curiosas aulas de Ciências Naturais com a Profa. Marcia Marcuzzo e a Profa. Marli; das divertidas aulas de ginástica com a Profa. Janise Dotto (apesar de até hoje ter pouca disposição para atividades físicas); das técnicas domésticas com a prima e professora Aparecida Mozzaquatro, de quem muito me orgulha ter sido aluna, mesmo que por um curto tempo; das fascinantes aulas de Psicologia e Filosofia com o Prof. Eldiro Ceolin... e tantos outros mestres inesquecíveis que o limite de espaço desta coluna não possibilita mencionar.
Juventude:
Passei minha juventude entre São Miguel e Santa Maria, nas viagens diárias para a UFSM, onde cursei Licenciatura em Letras. Fui monitora da disciplina de Língua Portuguesa da Profa. Eunice Trevisan e bolsista de Iniciação Científica da Profa. Nara Gehrke (hoje minha colega de trabalho). Nessa mesma universidade fiz Mestrado e Doutorado em Letras, sob a orientação da Profa. Nina Barros. Aproveitei ao máximo as oportunidades que a universidade me proporcionou, como grupos de estudos, projetos de pesquisa, eventos científicos, produções de artigos. Grande parte disso realizei simultaneamente às minhas atividades docentes na Escola Estadual Rômulo Zanchi, no Centro Universitário Franciscano, no Grécia Cursos e no Curso Preparatório para Sargentos Diógenes, em Santa Maria.
Em 2006, fui contemplada com uma bolsa de Doutorado Sanduíche da CAPES, que me possibilitou um semestre de estudos na Faculdade de Lisboa, em Portugal, sob a supervisão do Prof. Carlos Gouveia. Além de aprofundar conhecimentos teóricos em Linguística que contribuíram para o desenvolvimento da minha tese sobre linguagem e representações no contexto jurídico, esse período além-mar permitiu-me uma série de experiências valiosas, como reviver as aulas de história que tive no ensino médio sobre o Brasil Colônia e Império. Conviver com os lisboetas, visitar museus, bibliotecas, castelos e palácios em Mafra, Coimbra, Porto, Sintra, Queluz, Óbidos foi como transportar-me às histórias de Saramago e Eça de Queiroz, aos poemas de Fernando Pessoa e Camões.
De volta ao Brasil, concluí o Doutorado e dei seguimento às experiências docentes: um semestre na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (viajando semanalmente para dar aulas em Vacaria, São Francisco de Paula e Cachoeira do Sul), um ano na Universidade Federal de Pelotas, até transferir-me para a UFSM, de cujo quadro docente faço parte desde 2009, ministrando aulas na graduação e pós-graduação em Letras.
Na UFSM, faço pesquisas e oriento estudos sobre os usos da língua portuguesa em contextos sociais em nível de graduação, mestrado e doutorado. Também conduzo projetos de ensino e extensão, como o Ateliê de Textos, contemplado com o Prêmio RBS de Educação em 2013 na categoria projeto comunitário.
Como estudar é uma prática constante na minha vida, em 2013 concluí o pós-doutorado em Estudos da Linguagem na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), sob a supervisão da Profa. Leila Barbara. Atualmente, como coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Letras na UFSM, além do ensino e da pesquisa, as atividades administrativas têm sido um desafio valioso.
Acredito que quanto mais se estuda, mais se produz. Por isso, tenho buscado publicar os resultados das pesquisas e experiências de ensino e aprendizagem que tenho realizado. Dentre as publicações, gostaria de destacar os livros Introdução à Gramática Sistêmico-Funcional em Língua Portuguesa (2014), em coautoria com Sara Cabral, Linguagem e representações (2017), organizado com Thiago Silva, e Diretrizes para elaboração e revisão de questões em processos seletivos (2017), com apoio da Coperves e Pograd da UFSM. Também busco compartilhar análises e metodologias em artigos publicados em periódicos acadêmicos e em capítulos de livros.
O empenho em estudos e projetos é trabalhoso, consome tempo e energia, mas é sempre recompensador. Recentemente, fui agraciada com mais um prêmio: o Prêmio Prof. Rubens Murilo Marques, da Fundação Carlos Chagas (FCC), pelo trabalho que desenvolvo para a formação de professores de produção textual na educação básica. Uma síntese da metodologia está publicada como capítulo de livro no site da FCC.
Família:
Minha família é o meu maior tesouro. Com ela, aprendi princípios e valores fundamentais que me impulsionaram a ser o que sou e faço hoje como amiga, profissional e cidadã. Com meu pai, aprendi a importância da honestidade, da pontualidade e do trabalho; com minha mãe, a amorosidade e a fé; com meus irmãos, o companheirismo e a lealdade; com os demais familiares, a amizade, o respeito e o acolhimento. Agradeço todos os dias pela família que Deus me deu.
Lembranças de Restinga Sêca:
Orgulho-me de ser restinguense, de ser filha de colonos, de ter constituído minhas bases nesse lugar abençoado. Lembro-me com carinho das inúmeras viagens nos ônibus da Rizzatti. Na minha infância, as viagens com o Seu Mario eram sempre muito agradáveis. Ele sempre recebia os passageiros com sorriso e palavras gentis. Seu Mario deixou-me uma bonita lição: cumprimentar e tratar a todos, indistintamente, como nossos melhores amigos.
Planos para o futuro:
Continuar estudando, lendo, escrevendo e ensinando enquanto Deus me permitir.
Ping-pong:
Bebida: guaraná
Cor: branca
Flor: rosa
Comida: pizza
Um defeito: ansiedade
Uma virtude: persistência
Um vício: livros
Religião: católica, com respeito a todas as crenças
Futebol: Grêmio e todos os demais times que representarem o Rio Grande do Sul em outros estados e países.
Uma mensagem: Somos responsáveis pelas nossas escolhas.
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