Restinga receberá mais de 3 mil arrozeiros em protesto pela crise nas lavouras de arroz

Há anos a notícia é a mesma. A cada safra, o preço do arroz despenca e causa prejuízos aos produtores. Os motivos são os mais variados. Para tentar mudar esse panorama, no próximo dia 31 de janeiro, será realizada uma grande manifestação com arrozeiros de todo o Rio Grande do Sul e também Santa Catarina. O encontro ocorre no Centro de Eventos de Restinga Sêca. Na oportunidade, será criada uma lista de reivindicações e um grupo de trabalho que será o responsável por levar esses pedidos e fazer pressão junto aos governos estadual e, principalmente, federal. No último dia 22 de janeiro, lideranças da categoria se reuniram no Sindicato Rural do município para acertar os últimos detalhes da manifestação, que deve reunir mais de 3 mil produtores.

“Foi uma grande noite. Como foi debatido aqui, o arroz, historicamente, vem enfrentando diversas crises. Os produtores estão com muitas dificuldades de comercialização, com um custo muito alto de produção. No dia 31 de janeiro, aqui, vamos ter uma reunião com todos os produtores do estado e de SC, para colocarmos um basta na crise do arroz. Elencamos possíveis soluções, assim como diversos municípios que também estão fazendo essas reuniões. Todos juntos vamos construir essas exigências aos governantes para que se possa mudar esse quadro tão ruim que está a lavoura de arroz. Os produtores dos dois estados estão enfrentando essa grande crise. Vamos receber todas as associações, vamos criar uma lista das reivindicações de cada associação, aí serão elencadas as prioridades e vamos levar com um grupo de trabalho até os governantes”, explica o presidente da Associação dos Arrozeiros de Restinga Sêca, André Tonetto, que também é produtor de arroz e vereador do município.

“Mais uma vez nos deparamos com essa triste situação em que se encontra a lavoura de arroz. Acredito muito quando o produtor se levanta. As nossas entidades, os nossos deputados, estaduais e federais, já tiveram a oportunidade e não trabalharam para nos ajudar. Estamos fazendo esse movimento muito forte para elencarmos esse problema. O encontro será focado ao produtor, ele que vai dizer o que está sentindo, porque é ele que paga a conta. Daqui uns dias estamos colhendo e não temos preço, mas a gente já gastou. Compramos óleo, insumos, já fizemos a lavoura, o gasto está lá. Não precisamos de medidas para amanhã, precisamos para hoje. Precisamos encontrar uma maneira de termos renda. E é em cima do nosso produto, é o nosso negócio que está afundando. Faço um apelo para que os produtores venham. Todo mundo tem que nos ajudar, porque a agricultura move tudo, se o produtor afundar, o resto afunda junto”, reforça o secretário de Agricultura do município e também arrozeiro, Cláudio Possebon.

O prefeito Paulinho Salerno (PMDB), que também tem ligação com a agricultura, esteve presente na reunião e se colocou à disposição dos líderes da classe para ajudar. Inclusive, cedeu o Centro de Eventos do município.

“Deixamos a administração municipal à disposição para tudo que for necessário. É bom ter essa discussão. É importante quando os nossos produtores podem se reunir e discutir questões importantes para o setor. Estamos sempre à disposição dos nossos produtores, porque sabemos a importância que tem o produtor rural na geração de renda junto ao campo e também para o município”, destaca Paulinho.

Comercialização abaixo do custo

Os problemas que afetam o rendimento dos arrozeiros são os mais diversos. Um dos principais, se não o principal, é o baixo valor pago pela saca do produto. Atualmente, o preço está em cerca de R$ 35, mas pode piorar no auge da colheita e chegar a até R$ 30, sendo que o custo da lavoura é de, no mínimo, R$ 32.

“Esse movimento é natural. A lavoura de arroz está sofrendo muito. É uma lavoura que já vem tendo defasagem no preço ao longo dos anos. A gente sabe que é um ciclo, mas esse ano está insustentável. Os produtores estão vendendo arroz a menos de 36% do que venderam em 2016. Isso aí, esse número, por ele só, já é o suficiente para que haja um movimento. Já houve movimentos em outros municípios. Nós estamos fazendo hoje. Esses movimentos estão pipocando porque o produtor não suporta mais. Temos umas planilhas de custo que demonstram que o custo é de R$ 32. Nós temos hoje preços a R$ 34, R$ 35, no máximo, e uma perspectiva para R$ 33 nos próximos dias. Como o produtor vai sobreviver se ele teve um custo de R$ 32? Que retorno ele tem?”, questiona Sebastião Herédia Borges, presidente do Sindicato Rural de Restinga Sêca.

Outro fator muito importante que tem impactado na crise do arroz é o Tratado de Assunção, mais conhecido como Mercosul, que quer dizer Mercado Comum do Sul. O acordo entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai estabelece a circulação de bens, serviços e produtos entre os países. Com impostos menores e o uso de agrotóxicos não permitidos em território brasileiro, o arroz argentino e uruguaio já atrapalhavam a comercialização dos arrozeiros do Brasil, já que chegam com um preço bem menor. Agora, o paraguaio também ultrapassou as fronteiras.

“Em todo o estado estão acontecendo essas reuniões. Estamos muito preocupados com o custo da lavoura e a baixa remuneração que está dando, e não é de agora. Falta uma política agrícola que satisfaça a nossa atividade, que nos dê renda. Desde que entrou o Mercosul, sentíamos que seria uma penalidade muito forte para nós, e é o que está quebrando a lavoura de arroz, assim como quebrou o trigo. Entra arroz com agrotóxicos que não se pode usar no Brasil e com preços abaixo da metade do que se pratica aqui. Arroz do Uruguai, da Argentina, e agora entrou do Paraguai também, para piorar a situação, entra a custo de 10 dólares, aqui temos um custo de mais de 16 dólares. Isso dá um custo de mais de R$ 42 , e estamos vendendo a R$ 34. Estamos perdendo R$ 8 por saca, e isso é insustentável. Estamos neste debate para tentar achar soluções. Diminuir área é a solução que se vê a curto prazo, porque há excedente do produto”, desabafa Danilo Batista, produtor de arroz e integrante do Conselho Fiscal da Associação dos Arrozeiros de Restinga Sêca.

“A lavoura de arroz é muito importante em termos sociais e econômicos para o estado. Ela emprega mais de 250 mil pessoas, são mais de 150 municípios alicerçados a sua economia nessa cultura. Quem está pagando a conta dessa integração do Mercosul são os produtores rurais. Plantávamos, em 1991, 5 milhões de hectares no Brasil, hoje plantamos 2 milhões. O Mercosul se formou como um bloco para se agregar e galgar terceiros mercados, mas ele se virou contra o grande mercado consumidor que é o Brasil. Se aumentou a produção nesses outros países e direcionaram toda essa produção para o nosso mercado. Nós somos consumidores de arroz, eles não são. Eles produzem só para exportar, praticamente. E aí passaram a colocar arroz aqui causando prejuízo de duas formas. Primeiro, colocam o arroz aqui com um valor bem abaixo. E o outro prejuízo é o excedente, porque nós adquirimos a auto-suficiência em 2004. Sempre produzimos suficiente para abastecer o país e exportar, e ainda seguiu entrando arroz importado. Já fizemos de tudo contra esse Mercosul. Já contratamos um escritório de advocacia de renome internacional, entramos com medidas judiciais em todas as instâncias e perdemos. Trabalhamos em todas as esferas politicamente, também perdemos. Tudo o que podíamos fazer, fizemos. A única coisa que ficou evidente é que quem esta pagando conta é o produtor. O governo tem, de alguma forma, compensar esses produtores”, contextualiza Renato Rocha, diretor administrativo do Instituto Rio-Grandense do Arroz (Irga).